Guardar a criação inteira - 3.

Francisco: proteção e harmonia
Há dois anos, desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco somou a sua voz, a voz da Igreja universal, à discussão mundial mais recente. Com a sua linguagem eficaz e direta, ele não hesitou de afirmar: "Em grande parte, é o homem que maltrata a natureza, continuamente. Nós nos apoderamos um pouco da natureza, da irmã terra, da mãe terra. Lembro-me – vocês já ouviram isto – daquilo que um velho agricultor me disse uma vez: 'Deus perdoa sempre, nós – os homens – algumas vezes, a natureza, nunca'" (coletiva de imprensa em voo para Manila durante a sua viagem apostólica ao Sri Lanka e às Filipinas, 15 de janeiro de 2015).
No seu magistério, aparece clara desde o início uma visão global, holística, em continuidade com os seus antecessores. Seres humanos, natureza e ambiente, criação e sociedade estão ligados entre si: "Ecologia humana e ecologia ambiental caminham juntas" (Audiência Geral, 5 de junho de 2013).
Lendo os seus discursos, nota-se, em particular, que ele tem uma visão antropológica, mas não antropocêntrica no sentido redutivo do termo. Uma das suas palavra-chave é "harmonia", mais ampla do que "reconciliação" e capaz de se estender a todas as criaturas. A harmonia, de fato, diz respeito a toda a criação no seu conjunto e nas relações entre seres vivos. E é um dom de Deus.
Assim afirmou Francisco na Audiência Geral do dia 22 de abril de 2015, em que se celebrava o "Dia da Terra": "Exorto todos a verem o mundo com os olhos de Deus Criador: a terra é o ambiente a se guardar e o jardim a se cultivar. Que a relação dos homens com a natureza não seja guiada pela avidez, pela manipulação e pela exploração, mas conserve a harmonia divina entre as criaturas e a criação na lógica do respeito e do cuidado, para pô-la a serviço dos irmãos, também das gerações futuras" (grifo nosso).


Essa visão ampla, atenta às "relações" e não só ao homem entendido como "centro", interroga-se sobre qual impacto o progresso econômico, as novas tecnologias e o sistema financeiro têm sobre os seres humanos e sobre o ambiente: "E o perigo é sério – continuou o papa na audiência do dia 5 de junho de 2013 – porque a causa do problema não é superficial, mas profunda: não é só uma questão de economia, mas de ética e de antropologia. A Igreja ressaltou isso várias vezes, e muitos dizem: 'Sim, é justo, é verdade'... mas o sistema continua como antes, porque o que domina são as dinâmicas de uma economia e de uma finança carentes de ética. O que manda hoje não é o homem, é o dinheiro, o dinheiro manda. E Deus, nosso Pai, deu a tarefa de guardar a terra não para o dinheiro, mas para nós: aos homens e às mulheres, nós temos essa tarefa! Ao contrário, homens e mulheres são sacrificados aos ídolos do lucro e do consumo: é a 'cultura do descarte'".
Um conceito-chave do Papa Francisco, repetido várias vezes desde a missa de inauguração do seu ministério petrino, é o da "custódia" da terra, tendo como referência o "Seja!" criativo de Deus, por um lado, e o louvor à criação deFrancisco de Assis, por outro.
Justamente com essas palavras, de fato, o papa deu início ao seu pontificado no dia 19 de março de 2013: "A vocação de guardar, porém, não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão que precede e que é simplesmente humana, diz respeito a todos: é guardar a criação inteira, a beleza da criação, como nos é dito no livro do Gênesis e como nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente em que vivemos".
Daí o convite: "Sejamos 'guardiões' da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e de morte acompanhem o caminho deste nosso mundo!".
O "domínio" sobre a terra que Deus garante ao homem não é o do chefe, que é Deus somente, Senhor do céu e da terra, mas o da custódia e da administração. Os bons administradores tratam a natureza com respeito, que gera um estilo de vida simples e sóbrio, que contribuirá para preservar o ambiente para as gerações futuras.
Papa Francisco retomou essas primeiras palavras como pontífice na sua exortação apostólica Evangelii gaudium(EG) (24 de novembro de 2013): "Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas. Pela nossa realidade corpórea, Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um, e podemos lamentar a extinção de uma espécie como se fosse uma mutilação. Não deixemos que, à nossa passagem, fiquem sinais de destruição e de morte que afetem a nossa vida e a das gerações futuras" (EG 215).
A condenação do sistema "que tende a fagocitar tudo, a fim de aumentar os benefícios" é clara, porque, nele, "qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa em relação aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta" (EG 56). Portanto, "esta é a primeira resposta à primeira criação: guardar a Criação, fazê-la crescer" (homilia em Santa Marta, 9 de fevereiro de 2015).
Somando a sua voz à voz dos seus antecessores – e na forma específica da encíclica –, o Papa Francisco levanta perguntas e raciocínios. Confiamos que muitos, acolhendo o desafio em termos de fé e de escolhas operativas, serão profundamente gratos pelo fato de que um líder mundial teve a coragem de chamar todos a um futuro mais sustentável e inclusivo.
E o apelo de Francisco, de fato, não é frágil, mas contundente, como na Conferência de Lima (27 de novembro de 2014): "O tempo para encontrar soluções globais está a acabar. Só podemos encontrar soluções adequadas se agirmos juntos e de comum acordo. Portanto, existe um claro, definitivo e improrrogável imperativo ético de agir".
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