Guardar a criação inteira - 1.

A responsabilidade de um destino comum
Em uma linguagem áulica, a ponto de parecer antigo, Paulo VI escreveu, há quase meio século, com clarividência e com sabedoria totalmente contemporânea a nós e aberta ao futuro: "À medida que o horizonte do homem assim se modifica, a partir das imagens que se selecionam para ele, uma outra transformação começa a se fazer sentir, consequência tão dramática quanto inesperada da atividade humana. De um momento para outro, o homem toma consciência dela: por motivo da exploração inconsiderada da natureza, começa a correr o risco de destruí-la e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação. Não só já o ambiente material se torna uma ameaça permanente, poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto; é o próprio quadro humano que o homem não consegue dominar, criando assim, para o dia de amanhã, um ambiente global que poderá tornar-se-lhe insuportável" (Octogesima adveniens, n. 21).

A exploração irracional da natureza não só prejudica gravemente o ambiente, mas também põe um grave problema social e humano. A mensagem fundamental de Paulo VI, que permaneceu praticamente não ouvida durante décadas pelos responsáveis econômicos e políticos, precisa ser repetida e posta em evidência também no dia de hoje.
Entre os anos 1970 e o início dos anos 1990, em muitas sociedades, a consciência das ameaças ecológicas cresceu de forma consistente e progressiva.
São João Paulo II foi o primeiro papa a falar das consequências do crescimento industrial, das enormes concentrações urbanas e do notável aumento do consumo energético.
Quem falou do crescimento dessa consciência ecológica daqueles anos foi o Papa Bento XVI, muitos anos depois, perante o Parlamento federal alemão, no dia 22 de setembro de 2011, durante a sua viagem apostólica à Alemanha: "O aparecimento do movimento ecológico na política alemã a partir dos anos 1970, apesar de talvez não ter aberto janelas, todavia, foi e continua sendo um grito que anseia por ar fresco, um grito que não se pode ignorar nem pôr de lado, porque se vislumbra nele muita irracionalidade. Pessoas jovens se deram conta de que, nas nossas relações com a natureza, há algo que não está bem; que a matéria não é apenas um material para o nosso fazer, mas que a própria terra traz em si a sua dignidade, e nós devemos seguir as suas indicações".
E prosseguiu, confirmando a atualidade dessas reivindicações: "Quando na nossa relação com a realidade há algo que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto, e todos somos remetidos à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura".
São João Paulo II: ecologia ambiental e ecologia humana
São João Paulo II – sensível aos sinais dos tempos – expressou essa sensibilidade na sua encíclica Sollicitudo rei socialis (SRS) (30 de dezembro de 1987), afirmando que "é preciso levar em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, em um sistema ordenado, que é justamente o cosmos" (SRS 34).
E especificou as raízes bíblicas da questão ecológica, pondo em evidência que "a limitação imposta pelo próprio Criador, desde o princípio, e expressa simbolicamente com a proibição de 'comer o fruto da árvore' (cf. Gn 2, 16-17), mostra com suficiente clareza que, em relação à natureza visível, nós estamos submetidos a leis não só biológicas, mas também morais, que não podem ser impunemente transgredidas" (ibid).
No fim dos anos 1980, o pontífice advertia contra a utilização dos recursos naturais – alguns dos quais não são renováveis – como se fossem inesgotáveis. E também via na industrialização um risco para a contaminação do ambiente e para a qualidade de vida (cf. ibid).
Em particular, a sua Mensagem para o XXIII Dia Mundial da Paz foi toda centrada no tema "Paz com Deus criador, paz com toda a Criação" (1º de janeiro de 1990). O seu pensamento foi expressado com clareza: "O gradual esgotamento do estrato do ozônio e o consequente 'efeito estufa' que ele provoca já atingiram dimensões críticas, por causa da crescente difusão das indústrias, das grandes concentrações urbanas e dos consumos de energia. Dejetos industriais, gases produzidos pela combustão de combustíveis fósseis, desmatamento incontrolado, uso de alguns tipos de herbicidas, refrigerantes e propelentes, tudo isso, como se sabe, é nocivo para a atmosfera e para o ambiente".
Nessa mensagem se falava, portanto, de aquecimento global e dos efeitos das mudanças climáticas ainda antes que os termos entrassem no uso comum. Afirmava-se um verdadeiro "direito a um ambiente seguro, como de um direito que deve passar a figurar em uma Carta atualizada dos direitos do homem" (grifo nosso). Mas, acima de tudo, falava-se da "urgente necessidade moral de uma nova solidariedade, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados" (grifo nosso).
João Paulo II observava como os Estados devem se mostrar solidários, mas também, entre si, "complementares" na promoção do desenvolvimento de um ambiente natural e social pacífico e saudável.
De fato, aos países recém-industrializados "não se pode requerer que apliquem certas normas ambientais restritivas às próprias indústrias nascentes, se os países industrializados não forem os primeiros a aplicá-las no seu interior". Não se pode pensar a ecologia fora dos termos da justiça.
Na sua carta encíclica Centesimus annus (CA) (1º de maio de 1991), São João Paulo II tematizou a "questão ecológica", ligando-a estreitamente ao problema do consumismo e daquele que ele definiu como um "erro antropológico": "O homem, tomado mais pelo desejo do ter e do prazer, do que pelo de ser e de crescer, consome de maneira excessiva e desordenada os recursos da terra e da sua própria vida. Na raiz da destruição insensata do ambiente natural, há um erro antropológico, infelizmente muito espalhado no nosso tempo. O homem, que descobre a sua capacidade de transformar e, de certo modo, criar o mundo com o próprio trabalho, esquece que este se desenrola sempre sobre a base da doação originária das coisas por parte de Deus. Pensa que pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade, como se ela não possuísse uma forma própria e um destino anterior que Deus lhe deu, e que o homem pode, sim, desenvolver, mas não deve trair. Em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus e, desse modo, acaba por provocar a revolta da natureza, mais tiranizada do que governada por ele" (CA 37; grifo nosso).
O pontífice, portanto, fazia uma clara oposição entre a "mesquinhez da visão humana, mais animada pelo desejo de possuir as coisas" e a justa disposição em relação ao mundo, aquela "desinteressado, gratuito, estético que brota do assombro diante do ser e da beleza, que leva a ler, nas coisas visíveis, a mensagem do Deus invisível que as criou" (ibid, grifo nosso).
A questão ecológica já era posta por São João Paulo II em uma perspectiva mais ampla e ligada ao ambiente humano mais abrangente. O seu objetivo era o de salvaguardar as condições morais de uma autêntica "ecologia humana" (CA 38).
A atenção à preservação dos habitats naturais das diversas espécies animais ameaçadas de extinção deve ir de mãos dadas com o respeito pela estrutura natural e moral, da qual o homem foi dotado. Daí a atenção aos "graves problemas da moderna urbanização, a necessidade de um urbanismo preocupado com a vida das pessoas, bem como a devida atenção a uma 'ecologia social' do trabalho".
O pontífice falou da necessidade de ter coragem e paciência para "demolir" as estruturas contrárias à humanidade do ambiente e "substituí-las com formas de convivência mais autênticas" (ibid).
A encíclica Evangelium vitae (EV) (25 de março de 1995) afirma com decisão que nós, homens, "em relação à natureza visível, estamos submetidos a leis, não só biológicas, mas também morais, que não podem ser impunemente transgredidas" (EV 42). A crise ecológica é entendida como espelho de uma crise moral.
Posteriormente, em 1997, falando aos participantes de um congresso sobre ambiente e saúde, o pontífice relançou o apelo "a conjugar as novas capacidades científicas com uma forte dimensão ética", a fim de promover o ambiente não apenas como "recurso", mas acima de tudo como "casa" para se habitar.
Em síntese extrema: São João Paulo II estabeleceu os parâmetros da reflexão da Igreja em relação a esse preocupante desafio então relativamente novo. Destruir a harmonia ambiental é um pecado, porque aliena os seres humanos de si mesmos e da terra.
É central a "relação" entre a humanidade e o restante da criação, que deve ser alimentada com amor e sabedoria. A crise ambiental não é só científica e tecnológica: é fundamentalmente moral.
Da mensagem "Paz com Deus criador. Paz com toda a Criação" de 1990 e da Cúpula do Rio de 1992, a discussão seguiu adiante por 25 anos. Certamente, as questões em jogo são complexas: acima de tudo, em nível científico, depois político e, finalmente, em nível econômico e comercial.
Lembramos que uma etapa importante dessa reflexão foi constituída – e continua sendo – pelos discursos e iniciativas ecológicas pioneiros do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, desde 1994, como os simpósios internacionais na ilha dePatmos e vários seminários.
Em 1997, por exemplo, ele também, de forma clara e convincente, explicitou as implicações da questão ecológica em termos de pecado: "Cometer um crime contra o mundo natural é um pecado. Para os seres humanos, causar a extinção das espécies, destruir a diversidade biológica da criação de Deus; para os seres humanos, degradar a integridade da Terra, causando mudanças climáticas, privando-a das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas; para os seres humanos, ferir os outros seres humanos com a doença; para os seres humanos, contaminar as águas da Terra, a sua terra, o seu ar e a sua vida com substâncias venenosas: esses são pecados" (Patriarca Bartolomeu I,Discurso ao Simpósio sobre o AmbienteSanta BarbaraEUA, 8 de novembro de 1997).
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