Caro internauta, enquanto a mídia secularizada vive na "fantasia" de criar uma Igreja a seu gosto, o Cardeal Scherer escreve sobre a verdadeira, e real reforma da Igreja com o Papa Francisco.
Muito se tem falado
e escrito sobre a reforma da Igreja promovida pelo papa Francisco. Fala-se até
mesmo que ele estaria escrevendo uma “nova Constituição” da Igreja. Como
entender a reforma da Igreja promovida pelo Papa?
Reforma e renovação fazem parte da dinâmica da vida da
Igreja. Embora dotada de uma missão sobrenatural e de dons divinos, ela é uma realidade humana e, como todas as organizações humanas, também ela precisa
renovar-se para acompanhar melhor as circunstâncias históricas e sociais em que
está inserida.
A Igreja crê ser orientada, não apenas por
projetos humanos, mas pelo Espírito de Deus, que “renova a face da terra” e
também da Igreja. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II já afirmava, há 50
anos, que ela é uma realidade “semper reformanda”: precisa reformar-se
constantemente. Esta renovação, porém, precisa ser entendida como tensão a uma
fidelidade constante e sempre maior à própria razão de ser e de existir. Ela se
reforma para ser mais ela mesma (cf. Unitatis redintegratio, 6).
O conceito de reforma pode causar
desconfiança e até resistência, quando não for bem entendido. Há o temor de que
a busca de reforma signifique trama contra o passado ou até mesmo infidelidade
ou traição a ele. Pode haver também a identificação pura e simples de reforma
com movimentos de ruptura com a Igreja; nesse sentido, lembra-se logo da
Reforma protestante, de Lutero e Calvino, no século XVI. De qual reforma está
se tratando nas atuais circunstâncias da vida da Igreja?
Ao longo da história da Igreja, muitas
foram as reformas na Igreja; e, quando elas foram levadas a sério, a Igreja
saiu rejuvenescida e revitalizada. Grandes momentos de renovação foram, por
exemplo, a reforma gregoriana, promovida por Gregório VII, no século 11, a
reforma tridentina, após o Concílio de Trento, no século XVI, e a reforma
desencadeada pelo Concílio Vaticano II.
É justamente ao espírito desse Concílio que
o papa Francisco está se refazendo, no seu intuito de renovação da Igreja. Ele
tem sinalizado que Vaticano II mostra o rumo que deve ser seguido pela Igreja,
como já haviam feito seus predecessores. Meio século após a celebração do
Concílio, ainda há muito que se fazer para colocar em prática as grandes
intuições e propostas daquela assembléia, de importância extraordinária para a
vida e a missão da Igreja.
O papa Francisco está, evidentemente,
promovendo uma reforma na Cúria Romana. Trata-se do organismo de assessoria do
Papa e de colaboração com ele no exercício de sua própria missão diante de toda
a Igreja Católica. Nesse sentido, não deveria haver motivo de susto ou
estranheza; a Cúria precisa ser adequada de tempos em tempos, para continuar a
prestar bem o seu serviço ao Papa e à Igreja. Porém, a “Constituição”, que está
sendo reformada, não é a da Igreja, mas apenas da Cúria Romana, com o conjunto
das normas que a regem. O Papa não vai mudar os Dez Mandamentos, nem reescrever
o Evangelho.
No entanto, mudar a Cúria Romana, por
quanto necessário, ainda não significa necessariamente reformar a Igreja. Isso
requer bem mais do que adequar algum organismo ou estrutura de serviço. Aqui é
preciso retomar a compreensão da própria Igreja, que é a comunidade de todos
aqueles que tomam parte nela, em todo o mundo. Ainda em sua recente visita em
Assis, no dia 4 de outubro, o Papa destacava que a Igreja não é formada apenas
por bispos, padres e freiras, mas por todos os batizados.
Justamente nessa ocasião, na terra de São
Francisco, o Francisco de Roma apontava para uma das questões centrais para a
reforma da Igreja: a fidelidade a Jesus Cristo, ao seu Evangelho e à missão
recebida dele. Para tanto, ela precisa estar sempre atenta para não perder a
sua própria identidade e a sua inequívoca referência a Jesus Cristo crucificado
e ressuscitado. Logo no dia seguinte à sua eleição, ele dizia aos cardeais, com
os quais celebrou a Missa na Capela Sistina: se a Igreja perdesse essa
referência a Jesus Cristo, ela se tornaria uma ONG piedosa e já não seria mais
a Igreja de Jesus Cristo...
A Igreja precisa de uma reforma interior,
nas convicções e posturas; isso identifica-se com o conceito teológico de
conversão. Se a Igreja precisa mudar constantemente, para ser mais igual a si
mesma, ela também precisa de constante conversão, para ser fiel a si mesma. Na
Conferência de Aparecida, aberta em 2007 por Bento XVI, já se apontava para a
necessidade da conversão pastoral e missionária.
O papa Francisco tem falado com insistência
dessa “reforma” interior, ao dirigir-se aos diversos setores da vida da Igreja.
Exortou os jovens, reunidos em Copacabana, a manterem firme a esperança, a
serem fiéis a Jesus Cristo e a não terem medo de ir contra a corrente; em
Assisi, há poucos dias, falando da vida humilde e simples de São Francisco,
alertou para o “mundanismo” e as vaidades, que podem tomar conta da vida dos
cristãos, também dos eclesiásticos...
Da mesma forma, ele indica com insistência
aos gestores de organizações administrativas da Igreja o caminho da retidão, da
honestidade e da justiça no cuidado dos bens necessários à realização da missão
da Igreja. Aos que desempenham cargos de responsabilidade, lembra que a
autoridade deve ser exercida como um serviço ao próximo. E recorda a todos o
valor profundo de cada pessoa e o respeito por toda vida humana, ainda mais,
quando exposta a fragilidades e riscos.
Chamando a Igreja à vida coerente com o
exemplo e os ensinamentos de Jesus Cristo, ele aponta para as reformas mais
lentas e difíceis; e essas não são feitas por decreto, nem dependem apenas do
papa Francisco...
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo