Caro Internauta, para esta solene Epifania, tenho a alegria de apresentar-lhe esta magnífica homilia do Cardeal Ratzinger, proferida em 1994. É de tanta doçura, de tanta verdade, de tanta profundidade, de tanta piedade, que nos emociona e toca profundamente! Vou apresentá-la por partes...

Em novembro passado visitei com os meus colaboradores o observatório astronômico pontifício de Castel Gandolfo, há tempos atrás muito famoso. Vimos os potentes telescópios com os quais os doutos sacerdotes, até pouco tempo atrás, procuravam estudar o mapa do céu.Hoje todas estas estruturas não passam de museu. Não que os instrumentos não estejam mais em condições de funcionar, mas as luzes da cidade de Roma e de quase toda a Europa ocidental tornaram-se de tal modo fortes que atualmente é praticamente impossível ver as estrelas. A exploração do céu não pode mais ser feita com aqueles meios. Seria necessário ir a alguma zona remota e desabitada da América e prosseguir ali a exploração.
A luz dos homens – a luz produzida por nós – esconde à vista as luzes do céu. As nossas luzes escondem as estrelas de Deus. É quase uma metáfora: por causa das muitas coisas que criamos mal e mal podemos reconhecer a criação de Deus e os seus traços.
E eis esses homens vindos do Oriente, que dizem sobre si mesmos: “Vimos a sua estrela e vimos para adorá-lo”.Que tipo de pessoas eram e que espécie de estrela era aquela?
A nova versão da Sagrada Escritura traduz o termo “magoi”, “magos”, por astrólogos, mas aqueles homens não eram siguramente nem magos desejosos de apoderar-se de Deus e do mundo, nem astrônomos no significado que hoje a ciência dá a este termo, nem astrólogos desejosos de sondar os mistérios do futuro e devender o conhecimento que poderiam adquirir.
Eram pessoas que andavam à procura de algo mais, andavam à procura da verdadeira luz que nos indica a estrada na qual devemos caminhar na nossa vida. Eram pessoas convencidas de que a assinatura de Deus está presente na criação e que devemos e podemos tentar decifrá-la. Que a nós é concedido encontrar os traços de Deus e nos fazer guiar por eles para chegar à vida verdadeira.
Portanto, não eram aventureiros como os navegadores do globo da Idade Moderna, que queriam obter novos conhecimentos sobre o mundo e tornar-se de algum modo famosos. Nem existia neles aquela típica curiosidade da ciência, que envia sondas ao cosmo para arrancar-lhe os segredos mais recônditos. O olhar deles chegava muito mais longe. Eram pessoas que andavam à procura de Deus e, portanto, andavam à procura de se mesmas. Estavam nos passos de Abraão, que tinha permitido que a voz de Deus o chamasse e, por amor a ele, fizera-se peregrino. Eram pessoas de coração inquieto, para as quais não bastavam os mapas e o puro e simples saber erudito; procuravam, ao invés, a autêntica sabedoria que lhes ensinasse como se deve viver, como se faz para ser homem.
Talvez o que nos permita compreender melhor aquilo que de particular e mais característico tenham aqueles homens misteriosos, seja o modo de vida que encontraram em Jerusalém, tão oposto aos seus.
Antes de tudo, Herodes. Sem dúvida, ele estava interessado no Menino, mas não para adorá-lo, como afirmava, mas para eliminá-lo. Herodes é o homem do poder, que no outro consegue ver somente o rival. No fundo, ele considera também Deus como um rival, ou melhor, como o rival mais perigoso, que gostaria de arrancar aos homens o espaço vital e a vontade individual e não lhes reconheceria a possibilidade de dispor de si como melhor achassem.
Por isso, para ele, Deus deve ser eliminado e as pessoas devem ser reduzidas a simples peças no jogo de poder que ele, Herodes, está tramando. É fácil julgar negativamente um soberano tão brutal, mas penso que deveríamos perguntar-nos se não haja algo de Herodes também em nós. Se também nós não consideramos Deus um rival na nossa vida, um rival que põe limites que nos impedem de querer e fazer aquilo que nos agradaria e que reduz a possibilidade de dispor da vida a nosso gosto.
E, assim, nos sentimos profundamente irritado e descontentes, porque na nossa rebelião somos contrários àquilo que é o fundamento de todas as coisas. E poderemos encontrar uma pacificação e uma saída somente se desistirmos de ser apegados obsessivamente à idéia da rivalidade e se reconhecermos que o amor onipotente não nos tira nada, não nos ameaça, ao invés, nos ama e é a única realidade que nos oferece o espaço no qual podemos realmente viver.
No que toca aos habitantes de Jerusalém, não devemos condená-los! Eram pessoas como nós; entre eles havia bons e maus. Bastavam-lhes as preocupações, as fatigas e as pequenas alegrias da vida de todos os dias, não tinham tempo nem força para olhar para o alto. Também a nós sucede freqüentemente de afogarmo-nos no vai-e-vem cotidiano e não querer aspirar a coisas maiores e mais elevadas, ao caminho que conduz a Deus.
Finalmente, os eruditos, os teólogos, os especialistas na Sagrada Escritura, que sabem tudo sobre ela, que dela conhecem toda possível interpretação, que são capazes de citá-la de memória em cada versículo e que, portanto, são verdadeiramente um auxílio para quem se coloca à procura. Mas, como diz Agostinho, estes são guias para os outros. Indicam o caminho, mas permanecem parados. No fundo, para estes a Escritura era somente um atlas para sua curiosidade, uma quantidade de conceitos a serem aprofundados e sobre os quais discutir.
A idéia de que a Escritura não devesse somente ser conhecida e discutida, mas também ser vivida não lhes vinha em mente. E novamente a pergunta nos é dirigida: não somos também nós tentados a considerar a Sagrada Escritura, a fé da Igreja, mais um objeto de discussão que um caminho que conduz à vida? Entre aqueles que sabiam mas não agiam de acordo com seu conhecimento e aqueles que não sabiam mas encontravam o caminho andando à procura, também nós devemos reconhecer que Cristo não quis a Igreja para que discutisse a palavra de Deus, mas para que fosse um lugar no qual essa palavra fosse vivida.
Nos nossos corações deveria nascer novamente a disponibilidade para considerar a plavra da Bíblia não como um objeto de curiosidade, ao lado de muitos outros, mas como a verdade que nos diz o que é o homem e como pode tornar-se reto, a verdade que é o caminho e que, por isso, interpela a nossa existência e recebe uma resposta apropriada somente na vida e no caminho compartilhado com os outros.