Para você meu leitor, uma reflexão do amigo e irmão Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo de Belo Horizonte.
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Os avanços e conquistas foram incontáveis. Até admiráveis, quando se contabilizam os progressos científicos, os engenhos tecnológicos, a força sedutora, por isso não menos pesada, do fenômeno da globalização. Mudanças determinantes, ditadas pela ciência e pela tecnologia, que têm avançado inteligentemente - seja pela capacidade de manipular geneticamente a própria vida dos seres vivos, ou a de criar uma rede de comunicação de alcance mundial.
Este é um tempo no qual a história alcançou uma aceleração espaventosa produzindo mudanças grandes. No Documento de Aparecida, nº 35, os bispos latino-americanos e caribenhos sublinham que “essa nova escala mundial do fenômeno humano traz consequências em todos os campos da vida social, impactando a cultura, a economia, a política, as ciências, a educação, o esporte, as artes e também, naturalmente, a religião”. Estas transformações, em razão dos rumos tomados ou dados, têm atingido de maneira preocupante o tesouro que pertence à pessoa humana, a abertura à transcendência.
O tesouro da pessoa humana não pode ser resumido apenas no que é admirável nas conquistas científicas e tecnológicas. Aqui se põe um enorme desafio, que inclui a compreensão do indivíduo na sua abertura sacrossanta para a transcendência, como algo seu constitutivo e inalienável. Sua desconsideração, ignorância ou manipulação, em razão de interesses utilitaristas, produz prejuízos e riscos para os rumos da história. Como no passado, agora também, e de maneira não menos preocupante, temos o horizonte da sociedade contemporânea povoado de relativizações éticas advindas do fechamento e da incompetência para a compreensão e vivência deste tesouro que é a abertura à transcendência.
É irrenunciável o princípio de que a pessoa humana é aberta ao infinito, isto é, a Deus. Esta abertura é caminho para a verdade e para o bem absolutos. Também é esta comunhão com Deus que capacita para o encontro com o outro e com o mundo. Sem esta abertura ao transcendente nenhuma pessoa consegue sair de si. Torna-se prisioneira, facilmente e cotidianamente, de uma condição egoística da própria vida. É a transcendência que capacita a pessoa a entrar numa relação de diálogo e de comunhão. A sociedade não pode e não consegue, com o indispensável equilíbrio, organizar-se e configurar-se sem que se respeite e se cultive a capacidade própria da pessoa de transcender.
É ilusão pensar e buscar uma sociedade justa quando se desrespeita a dignidade transcendente da pessoa humana. O primado de cada ser humano tem a prerrogativa de orientar a consciência e definir direções e configurações para todos os programas sociais, científicos e culturais. Não sendo assim, a pessoa será, inevitavelmente, instrumentalizada para projetos econômicos, social, político, por qualquer autoridade. Não raramente, em nome de pretensos progressos e da modernização da comunidade civil. Aqui está o “nó difícil de desatar” da questão ética na sociedade contemporânea, pensando mais diretamente a de nosso país. Todos são chamados a refletir sobre o futuro que deve ser buscado, o que exige o princípio irrenunciável da transcendência. Num rol de muitas questões sérias e preocupantes, devemos incluir a que trata sobre a grave cultura abortista, a investida irracional contra símbolos religiosos, ou a morosidade ética para a convicção da aplicação da chamada “Lei da Ficha Limpa”.
A orquestração que órgãos internacionais fazem ao celebrar acordos, por exemplo, com países emergentes da América Latina, beneficiando projetos para o desenvolvimento, em troca de controle demográfico que fomentam posições e entendimentos favoráveis ao crime do aborto, merece reação e posicionamento claro de todos.
Há manipulações na compreensão envolvendo os direitos da mulher para construir argumentos que justifiquem o atentado homicida contra a vida do nascituro. Este equívoco, resultado da falta de sentido e respeito à transcendência, atinge a família, num claro desígnio de sua desconstrução e vai se infiltrando no sistema educacional. Estes rumos estão produzindo riscos graves. É preciso reagir e lutar pelo respeito e obediência ao princípio da transcendência.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte