>>Livro de Oração<< >>Livro dos Salmos<< Iª parte
O Saltério apresenta-se como um «formulário» de orações, uma colectânea de cento e cinquenta Salmos, que a tradição bíblica oferece ao povo dos fiéis para que se tornem a sua, a nossa oração, o nosso modo de nos dirigirmos a Deus e de nos relacionarmos com Ele. Neste livro, encontra expressão toda a experiência humana, com os seus múltiplos aspectos, bem como toda a gama de sentimentos que acompanham a existência do homem. Nos Salmos entrelaçam-se e exprimem-se alegria e sofrimento, desejo de Deus e percepção da própria indignidade, felicidade e sentido de abandono, confiança em Deus e solidão dolorosa, plenitude de vida e medo de morrer. Toda a realidade do crente conflui nestas orações, que primeiro o povo de Israel e depois a Igreja assumiram como mediação privilegiada da relação com o único Deus e resposta adequada ao seu revelar-se na história. Enquanto orações, os Salmos constituem manifestações da alma e da fé, em que todos se podem reconhecer e nos quais se comunica aquela experiência de particular proximidade de Deus, à qual cada homem é chamado. E é toda a complexidade do existir humano que se concentra na complexidade das diversas formas literárias dos vários Salmos: hinos, lamentações, súplicas individuais e comunitárias, cânticos de acção de graças, Salmos sapienciais e outros géneros que se podem encontrar nestas composições poéticas.
Não obstante esta multiplicidade expressiva, podem ser identificados dois grandes âmbitos que resumem a oração do Saltério: a súplica, ligada à lamentação, e o louvor, duas dimensões ligadas entre si e quase inseparáveis. Porque a súplica é animada pela certeza de que Deus responderá, e de que isto abre ao louvor e à acção de graças; e porque o louvor e a acção de graças brotam da experiência de uma salvação recebida, que supõe uma necessidade de ajuda que a súplica exprime.
Na súplica, o orante lamenta-se e descreve a sua situação de angústia, de perigo e de desolação, ou então, como nos Salmos penitenciais, confessa a culpa, o pecado, pedindo para ser perdoado. Ele expõe ao Senhor o seu estado de espírito na confiança de ser ouvido, e isto implica um reconhecimento de Deus como bom, desejoso do bem e «amante da vida» (cf. Sb 11, 26), pronto a ajudar, salvar e perdoar. Por exemplo, assim reza o Salmista, no Salmo 31: «Junto de vós, Senhor, refugio-me. Que eu não seja confundido para sempre [...] Vós livrar-me-eis das ciladas que me armaram, porque sois a minha defesa» (vv. 2.5). Por conseguinte, já na lamentação pode sobressair algo do louvor, que se preanuncia na esperança da intervenção divina e que em seguida se faz explícita, quando a salvação divina se torna realidade. De maneira análoga, nos Salmos de acção de graça e de louvor, fazendo memória do dom recebido contemplando a grandeza da misericórdia de Deus, reconhece-se também a própria insignificância e a necessidade de ser salvo, que se encontra na base da súplica. Confessa-se assim a Deus a própria condição de criatura, inevitavelmente caracterizada pela morte, e no entanto portadora de um desejo radical de vida. Por isso o Salmista exclama, no Salmo 86: «Louvar-vos-ei de todo o coração, Senhor meu Deus, e glorificarei o vosso nome eternamente. Porque a vossa misericórdia foi grande para comigo, e tirastes a minha alma das profundezas da região dos mortos» (vv. 12-13). De tal modo, na oração dos Salmos, súplica e louvor entrelaçam-se e fundam-se num único cântico que celebra a graça eterna do Senhor que se debruça sobre a nossa fragilidade.