no Sínodo dos Bispos de outubro de 2001
o munus (função)
Intervenção do Cardeal Joseph Ratzinger
Cardeal Ratzinger
Gostaria de falar (...) sobre o munus (= a função) de ensinar confiado ao Bispo. O “Instrumento de Trabalho” interpreta este “munus” como serviço em prol do Evangelho, como serviço da esperança. Com efeito, São Paulo indica como distintivo dos crentes, que não são “como os outros, que não têm esperança” (1Ts 4,19). E indica também o fundamento da esperança, recordando aos seus leitores o tempo “em que estáveis sem Cristo..., sem esperança e sem Deus neste mundo” (Ef 2,12). A esperança tem um rosto, tem um nome: Jesus-Cristo, o Deus-conosco.
Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança, e uma cultura sem Deus leva no seu núcleo o desespero, torna-se inevitavelmente cultura da morte. Na humanidade de Cristo, Deus atraiu a si o mundo, superou a distância imensa entre finito e infinito: o mundo, o ser humano estão em Deus mesmo e, por isso, o mal não pode vencer de modo definitivo – nós estamos salvos!
Um Deus sem a humanidade de Cristo, torna-se distante, quase que uma idéia abstrata; ou o homem apodera-se dele e dele abusa como instrumento dos próprios egoísmos, dos próprios fantasmas. Estar a serviço da esperança quer dizer anunciar Deus, o Deus com o rosto humano, com o rosto de Cristo.
A crise da nossa cultura está fundada sobre a ausência de Deus e devemos confessar que também a crise da Igreja decorre em boa parte de uma difusa marginalização do tema de Deus. A Igreja não raramente se ocupa demasiadamente de si mesma e não fala de Deus, de Jesus Cristo, com a necessária força e alegria, enquanto o mundo tem sede, não de conhecer os nossos problemas internos, mas da mensagem que criou a própria Igreja – o fogo que Jesus trouxe à terra (cf. Lc 12,50).
Somente poderemos ser mensageiros críveis do Deus vivo, se este fogo estiver aceso em nós mesmos. Só se nos tornarmos contemporâneos de Cristo e Cristo viver em nós, o Evangelho por nós anunciado mostrará a presença de Cristo hoje e tocará o coração dos nossos contemporâneos.
Portanto, esse anúncio exige antes de tudo uma profunda ralação pessoal com Cristo, um encontro com Cristo no meu hoje, mas também um trabalho intelectual de conhecimento mais profundo da Escritura, lida na comunhão da Igreja, porque somente assim poderemos conhecer e distinguir a voz do verdadeiro Pastor (cf. Jo 10,5). Exige, enfim, a coragem da verdade e a disponibilidade de sofrer pela verdade, como diz São Paulo na sua primeira carta: “Depois de ter primeiro sofrido e suportado ultrajes em Filipos... tivemos a coragem no nosso Deus de anunciar o Evangelho de Deus, por meio de muitas lutas” (1Ts 2,2). A palavra “luta” (agòn) encontra-se em quase todas as cartas de São Paulo, da primeira até a última. Entrar na sucessão apostólica implica entrar na luta pelo Evangelho, no sofrimento pela Verdade.
Na nossa cultura agnóstica e atéia, o Bispo, mestre da fé, deve encorajar tudo quanto exista de bom e de positivo, deve ajudar as pessoas e os ambientes na procura de Deus, deve acompanhar e ajudar os sacerdotes e os leigos empenhados no anúncio da Palavra de Deus, deve apoiar e guiar com grande amor os fracos na fé (cf. Rm 14,1), mas deve também desmascarar sem medo as falsificações do Evangelho e da nossa esperança. O discernimento dos espíritos, o discernimento dos sinais dos tempos pertence à sua missão. O problema central do nosso momento parece-me ser o esvaziamento da figura de Jesus Cristo. Começa-se com a negação da concepção virginal de Jesus no seio da Virgem Maria. Continua-se com a negação da ressurreição corporal de Jesus, deixando o seu corpo entregue à corrupção (contra At 2,27ss) e transformando a ressurreição num acontecimento puramente espiritual (não se deixa esperança para o corpo, para a matéria). Prossegue-se negando a consciência que o Jesus da história teria de ser Filho de Deus e se considera como autênticas somente as palavras tidas como possíveis na boca de um rabino do seu tempo. Assim, cai também a instituição da Eucaristia como impossível para o Jesus histórico e permanece somente uma ceia de despedida com uma não definida expressão de esperança escatológica. Um Jesus assim empobrecido não pode ser o único Salvador e mediador, não é o Deus-conosco e, ao fim, Jesus é substituído pela idéia dos “valores do Reino”, que na realidade, não tem conteúdo preciso e se torna uma esperança sem Deus, uma esperança vazia. Nós devemos claramente retornar ao Jesus dos Evangelhos, porque somente ele é também o verdadeiro Jesus histórico: “Somente tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).
***fonte: Dom Henrique
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